segunda-feira, 11 de maio de 2009

A Dança


Às vezes, mas somente às vezes, gostaria de acreditar em deus. Para ter para quem rezar em certos casos, como quando meu irmão sai de bicicleta por aí, quando eu quero proteger e não posso interferir. Seria bom acreditar que existe alguém que está cuidando desse detalhe tão importante, alguém que cuidaria para que um dia a humanidade pare de se digladiar e que igualmente fosse me ouvir quando eu pedisse uma oportunidade de emprego ou um pouco de amor. Entretanto, não, não tenho esse conforto.


O que é melhor, a consciência ou a ilusão? Nunca chego ao veredicto. De qualquer forma, cada um se ilude e se engana de algum jeito para sobreviver, são pequenos alívios que, ao primeiro olhar, não trazem danos, ou talvez, apenas seu uso em excesso cause dano. Como o fanatismo religioso é prejudicial, enquanto rezar antes de dormir deve até fazer bem, enquanto fumar um baseado de vez em quando não faz mal a ninguém. A lei do equilíbrio se encaixa para quase tudo. Contudo, agora é demasiado tarde, impossível crer, eu precisaria perder a memória e (me perdoem os que acreditam) um pouco de inteligência. Devo estar sendo odiada... mas eu digo!


A tristeza da consciência é uma aflição que geralmente acompanha os ateus. Porque é profundamente doloroso olhar ao redor e ver que a ordem natural das coisas é a morte levar a todos que você ama para sempre. Quando isso acontecer, tudo será apagado, porque o tempo é responsável pela limpeza da memória do mundo. E a questão não é no fim das contas todo mundo não ser ninguém, não é não passarmos de animaizinhos numa sociedade ridícula, o que me incomoda é saber que tudo acaba de repente. Eu, todos que conheço, tudo que conheço e meu minúsculo sempre seremos todos histórias que mal tiveram tempo de se despedir. E para mim, que costumo chamar semana passada de antigamente, tem dias que parece que seremos histórias a partir da semana que vem.


O Homem que também é um parasita deplorável, por outro lado, quer ser admirável mesmo diante de uma enxurrada de dúvidas, incertezas e injustiças, resolve construir uma infinidade de coisas e confortos. Por isso, também às vezes, mas somente às vezes, tenho vontade de chorar, por mim e pelo mundo inteiro, até por aqueles que nos outros momentos quero bater com um porrete na cabeça. Quero chorar por minha mãe e pela vida de sonhos que eu queria que ela tivesse levado; pelo rato que eu mesma peguei na ratoeira; pelos donos das pizzarias e lanchonetes que vão à falência, por todo mundo que tenta e não consegue; eu sinto vontade de chorar pelo cara do segundo lugar, pelo time que perdeu e por todas as pessoas que eu acredito que mereciam algo (sei lá o quê) melhor. Mas eu não choro. Porque eu nunca choro. Porventura sou mulher de chorar?

Eu penso, e quando minha cabeça dói, preciso dormir. Um sono de princesa, de Bela Adormecida, um sono de inconsciência e descanso. Um sono que não tenho, porque não sou princesa e muito menos Bela Adormecida. Pelo contrário, meus sonhos parecem ter a propriedade de extenuar. Que tipo de vampiro anda sugando minhas forças?


Ao mesmo tempo em que tudo isso me atropela, preciso levar o lixo para fora, pintar o cabelo, ser simpática, educada, falar várias línguas fluentemente, ter bons argumentos para todas as minhas opiniões. (Ora, por favor, tem coisas que eu acho porque acho e acabou, porque fizeram lavagem cerebral, quem sabe...) Eu preciso não golpear as pessoas que gosto, vigiar o que escrevo, o que faço e o que falo. Preciso não causar tristezas desnecessárias. Preciso pisar leve sem ferir os pés, dançar conforme a música, não perder o compasso e ainda tentar não machucar a bailarina...
.
.
imagem: Manet

2 comentários:

"-algo varios sentidos"como:... disse...

isso foi realmente lindo.


Durma de cabeça pra baixo talvez funcione ^^

João disse...

Belo texto!
Especialmente porque expressa nossa impotência e mesmo a falta de sabermos conviver com a morte.
Nos deparamos com ela cotidianamente. Não só a morte física, mas a morte que nos armam ou armamos a nós mesmos, dentro daquele limitado mundo que parece-nos confortável.
Dance... dance...
E continue a escrever e mostrar a música.
=D