Às vezes, mas somente às vezes, gostaria de acreditar em deus. Para ter para quem rezar em certos casos, como quando meu irmão sai de bicicleta por aí, quando eu quero proteger e não posso interferir. Seria bom acreditar que existe alguém que está cuidando desse detalhe tão importante, alguém que cuidaria para que um dia a humanidade pare de se digladiar e que igualmente fosse me ouvir quando eu pedisse uma oportunidade de emprego ou um pouco de amor. Entretanto, não, não tenho esse conforto.
O que é melhor, a consciência ou a ilusão? Nunca chego ao veredicto. De qualquer forma, cada um se ilude e se engana de algum jeito para sobreviver, são pequenos alívios que, ao primeiro olhar, não trazem danos, ou talvez, apenas seu uso em excesso cause dano. Como o fanatismo religioso é prejudicial, enquanto rezar antes de dormir deve até fazer bem, enquanto fumar um baseado de vez em quando não faz mal a ninguém. A lei do equilíbrio se encaixa para quase tudo. Contudo, agora é demasiado tarde, impossível crer, eu precisaria perder a memória e (me perdoem os que acreditam) um pouco de inteligência. Devo estar sendo odiada... mas eu digo!
A tristeza da consciência é uma aflição que geralmente acompanha os ateus. Porque é profundamente doloroso olhar ao redor e ver que a ordem natural das coisas é a morte levar a todos que você ama para sempre. Quando isso acontecer, tudo será apagado, porque o tempo é responsável pela limpeza da memória do mundo. E a questão não é no fim das contas todo mundo não ser ninguém, não é não passarmos de animaizinhos numa sociedade ridícula, o que me incomoda é saber que tudo acaba de repente. Eu, todos que conheço, tudo que conheço e meu minúsculo sempre seremos todos histórias que mal tiveram tempo de se despedir. E para mim, que costumo chamar semana passada de antigamente, tem dias que parece que seremos histórias a partir da semana que vem.
O Homem que também é um parasita deplorável, por outro lado, quer ser admirável mesmo diante de uma enxurrada de dúvidas, incertezas e injustiças, resolve construir uma infinidade de coisas e confortos. Por isso, também às vezes, mas somente às vezes, tenho vontade de chorar, por mim e pelo mundo inteiro, até por aqueles que nos outros momentos quero bater com um porrete na cabeça. Quero chorar por minha mãe e pela vida de sonhos que eu queria que ela tivesse levado; pelo rato que eu mesma peguei na ratoeira; pelos donos das pizzarias e lanchonetes que vão à falência, por todo mundo que tenta e não consegue; eu sinto vontade de chorar pelo cara do segundo lugar, pelo time que perdeu e por todas as pessoas que eu acredito que mereciam algo (sei lá o quê) melhor. Mas eu não choro. Porque eu nunca choro. Porventura sou mulher de chorar?
Eu penso, e quando minha cabeça dói, preciso dormir. Um sono de princesa, de Bela Adormecida, um sono de inconsciência e descanso. Um sono que não tenho, porque não sou princesa e muito menos Bela Adormecida. Pelo contrário, meus sonhos parecem ter a propriedade de extenuar. Que tipo de vampiro anda sugando minhas forças?
Ao mesmo tempo em que tudo isso me atropela, preciso levar o lixo para fora, pintar o cabelo, ser simpática, educada, falar várias línguas fluentemente, ter bons argumentos para todas as minhas opiniões. (Ora, por favor, tem coisas que eu acho porque acho e acabou, porque fizeram lavagem cerebral, quem sabe...) Eu preciso não golpear as pessoas que gosto, vigiar o que escrevo, o que faço e o que falo. Preciso não causar tristezas desnecessárias. Preciso pisar leve sem ferir os pés, dançar conforme a música, não perder o compasso e ainda tentar não machucar a bailarina...
.
.
imagem: Manet
2 comentários:
isso foi realmente lindo.
Durma de cabeça pra baixo talvez funcione ^^
Belo texto!
Especialmente porque expressa nossa impotência e mesmo a falta de sabermos conviver com a morte.
Nos deparamos com ela cotidianamente. Não só a morte física, mas a morte que nos armam ou armamos a nós mesmos, dentro daquele limitado mundo que parece-nos confortável.
Dance... dance...
E continue a escrever e mostrar a música.
=D
Postar um comentário