domingo, 19 de abril de 2009

A Coruja de Ouro


Ele estava vivo e toda aquela história sobre o vazamento no cano era passado. Precisamente em um pedaço qualquer do mundo sentou para descansar. Como tudo é tão engraçado, tão tragicômica essa vida foi exatamente o que pensou.


Podia ouvir, ali do lado de fora da casa, do lado de fora do mundo, uma coruja, grilos e uns 25 cachorros. Pensou como seria se fosse uma coruja. Primeiro na cor, teria a cor do ouro, uma coruja dourada que bela seria, que voa a noite despercebida e resplandece a luz da Lua.


Riu de si mesmo. Deve estar querendo virar estrela da TV, ser o centro das atenções mundanas, imundas e inocentes. Ou não, é apenas sua pseudo-alma (porque ele não acredita em almas no sentido espiritual) espalhafatosa querendo vir à tona.


Sentir frio talvez não fosse tão ruim. Ele que sempre fora tão friorento certamente seria uma coruja sensível. Poderia ser uma coruja de terras escaldantes, iria morar na praia, quem sabe fazer surf e andar de camelo.


Mas a cor seria a mesma... cor de ouro de filme.

Pensou em uma coruja piando Bethoven, mas corujas não piam, o que fazem mesmo? Não lembrou. Não faz diferença, elas acabam cantando, Bethoven talvez não, quem sabe Verdi ou Mozart. Pensou quão triste deve ser uma coruja muda e quão surda deve ser uma coruja surda. Teve até vontade de chorar.

Teria muitos ninhos isso sim, nos lugares mais altos e longínquos, em árvores, nas montanhas, nas brechas, em telhados de casas abandonadas, no meio do mar em uma rocha, em um vulcão extinto, perto de uma tribo de canibais. Todos os ninhos seriam suas casas e nenhum sua prisão.


Até qual altura as corujas podem voar? Até onde vai o céu? Quão selvagem pode ser uma coruja? São animais solitários não? Tem garras assustadoras não? Um grande bico afiado também?


Mas sua vida de não coruja exigia agora que fosse dormir, para acordar cedo, para trabalhar antes mesmo de despertar. Foi para o quarto, pegou no sono e sonhou que era uma coruja dourada até a manhã seguinte.

.

.

imagem: Georges Seurat