domingo, 2 de outubro de 2011
Bala Mortal
Quando confia é porque perdeu o medo, aconselho nunca confiar.
Com que destreza penso, logo me engano, logo me excedo, logo saio pela culatra. Desmonto o nada e acerto em cheio, bem no meio. Com tal desenvoltura levo ao fim que mais pareço bailarina de metal.
Quase o sufoco, você quase grita, quase morre, mas não morre, quase vai embora, todavia não vai.
O que é certo, o que é errado, depressa virou confusão. Perdemo-nos com tanta intenção, com tanto gosto, com tanta vontade, com tanta gula e cobiça, com tanto desvelo.
Novamente? As horas, os prazos, os dias, outra vez? Do mesmo modo a terça antecederá a quarta e será depois do domingo? Com leves nuances de desencanto no lado, no canto, na boca, no umbigo, no peito?
Observo destemperos, presencio confusões, perco a delicadeza. Uma horda de vilões toma o reino ao passo que falo aos ouvidos:
- O que há? O que não há?
Implanto a dúvida, o pesadelo, a perdição. Possuo a passagem da ida sem volta, sou a desculpa da culpa, a língua na boca da cobra e do dragão.
É imprescindível que se cultive um jardim de margaridas, que se faça um chá de camomila, que se fume algo que inspira, que se faça rima. Rumo a morte sem dor, rumo ao segredo sem asco, ao prazer sem amor.
Quando acredita é porque esqueceu o terror, a mentira, o embuste. É prudente nunca acreditar.
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Imagem: Bernard Buffet