domingo, 2 de outubro de 2011
Bala Mortal
Quando confia é porque perdeu o medo, aconselho nunca confiar.
Com que destreza penso, logo me engano, logo me excedo, logo saio pela culatra. Desmonto o nada e acerto em cheio, bem no meio. Com tal desenvoltura levo ao fim que mais pareço bailarina de metal.
Quase o sufoco, você quase grita, quase morre, mas não morre, quase vai embora, todavia não vai.
O que é certo, o que é errado, depressa virou confusão. Perdemo-nos com tanta intenção, com tanto gosto, com tanta vontade, com tanta gula e cobiça, com tanto desvelo.
Novamente? As horas, os prazos, os dias, outra vez? Do mesmo modo a terça antecederá a quarta e será depois do domingo? Com leves nuances de desencanto no lado, no canto, na boca, no umbigo, no peito?
Observo destemperos, presencio confusões, perco a delicadeza. Uma horda de vilões toma o reino ao passo que falo aos ouvidos:
- O que há? O que não há?
Implanto a dúvida, o pesadelo, a perdição. Possuo a passagem da ida sem volta, sou a desculpa da culpa, a língua na boca da cobra e do dragão.
É imprescindível que se cultive um jardim de margaridas, que se faça um chá de camomila, que se fume algo que inspira, que se faça rima. Rumo a morte sem dor, rumo ao segredo sem asco, ao prazer sem amor.
Quando acredita é porque esqueceu o terror, a mentira, o embuste. É prudente nunca acreditar.
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Imagem: Bernard Buffet
quarta-feira, 15 de junho de 2011
domingo, 12 de junho de 2011
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Lápis-lazúli
Se o que era já não é, trata-se de uma questão de evolução humana, paraísos derrubados, dentes gastos e corpos cansados. Enquanto desliza porque é liso, o duende verde ri lá da calçada. Amadurar custa sonhos inteiros, cobra preços. Mas não vá pedir a alguém para ter pena, porque a pena serve apenas para escrever...
Na falta do concreto, de um objeto direto, perde a razão. E o que é o pretexto senão causa ou agente inconseqüente? Por que tudo é ausência, deficiência ou omissão? O que não falta sufoca.
- Sufoque-me da sua falta, então...
Existem mais neuroses do que pessoas. Quantas cada um pode suportar? Qual é o limite? Em que parte da corrente o elo rompe, grita, esperneia? E o nome do elo vareia? Voa na areia ao vento? Estremece, morre, cresce, goza e apodrece?
Como fossem todos feitos de lápis-lazúli e hortelã. Como fossem todos beijos na boca da morte, um estranho gosto ocre, quando acorda pela manhã. Como se fosse pessoa, quando não passa de imaginação...
Na torre do castelo, mais parecia uma festa, um festival de alucinações. E todo o tempo que passa esperando o trem dos sonhos chegar. Você quer ir onde tudo é bonito, não se engane, tudo é igual em todo lugar.
Vem, abra a porta e entre, aceite um doce e sente. Chegue mais perto e conte, quem é que veste esse corpo tranqüilo. Uma magreza branca que espanta, mais parece um anjo despido parado no meio da sala de estar. Se aceito você é porque fico confusa, quase difusa, extremamente perdida.
Permaneço incólume, extraviada...
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Imagem: Edgar Degas